Morador de Venda Nova morre na guerra da Ucrânia e família luta para repatriar corpo

Segundo o Ministério das Relações Exteriores, ao menos nove brasileiros morreram na guerra da Ucrânia. Outros 17 estão desaparecidos

28/07/2025 08h22 - Atualizado há 9 horas

Gabriel Pereira, de 21 anos, saiu de casa no início do ano com uma mochila e um segredo. Morador do bairro Santa Mônica, em Venda Nova, embarcou sozinho rumo à guerra na Ucrânia após ser recrutado por redes sociais. A promessa era de treinamento, apoio logístico e facilitação de documentos. O que recebeu foi um fuzil e a ordem de seguir direto para o front.

Gabriel morreu em combate no dia 3 de julho, na cidade de Izium, no leste ucraniano, próxima à fronteira com a Rússia. Até agora, o corpo não foi devolvido à família. O governo ucraniano não reconheceu oficialmente a morte, o Exército não presta informações e o Ministério das Relações Exteriores do Brasil ainda não apresentou soluções.

O jovem mineiro trabalhava como cobrador de ônibus em Belo Horizonte. Usou os próprios recursos — cerca de R$ 3 mil — para custear a viagem até Varsóvia, na Polônia. Dali, seguiu para Kiev, onde passou por procedimentos burocráticos e foi incorporado à terceira brigada de assalto, grupo de combate que reúne voluntários latinos e ucranianos.

“Ele foi jogado na linha de frente”

Segundo o irmão, João Victor Pereira, Gabriel acreditava que receberia treinamento militar antes de ir ao combate. A informação foi desmentida por outros combatentes brasileiros. “Eles diziam que os meninos fariam treinamento, mas mandavam direto para o front. Meu irmão foi jogado na linha de frente sem preparo, sem apoio e sem passaporte.”

A última vez que a família teve contato com Gabriel foi em 3 de julho. Ele avisou que participaria de uma missão e ficaria incomunicável por três semanas. Depois disso, não respondeu mais. A confirmação da morte veio dias depois, por meio de um soldado brasileiro que havia desertado da mesma brigada.

A notícia foi confirmada novamente em 17 de julho, por um ex-combatente que retornou ao Brasil. A família, então, procurou autoridades brasileiras e ucranianas, sem sucesso. “Eles sabem que ele está morto, sabem onde está o corpo, mas não querem lidar com isso. É uma forma de evitar burocracia, seguros e despesas com translado”, afirma João Victor.

Família cobra providências

Gabriel havia assinado um contrato com promessa de repatriação do corpo em até 45 dias após o falecimento. O prazo já foi ultrapassado, e nenhuma medida foi tomada. A família afirma que os ucranianos retêm os passaportes dos voluntários, o que dificulta a identificação dos corpos e impede a devolução dos pertences.

Em meio à dor e à incerteza, os pais e o irmão de Gabriel fazem apelos públicos. “Queremos dignidade para o meu irmão. Queremos enterrá-lo em casa, do jeito que ele merece”, diz João Victor.

Brasileiros em guerra estrangeira

O caso de Gabriel não é isolado. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, ao menos nove brasileiros morreram na guerra da Ucrânia. Outros 17 estão desaparecidos. Muitos foram aliciados por uma rede de recrutamento que opera em redes sociais, sob o nome de “o tour mais perigoso da Europa”.

A proposta parece simples: o interessado paga a passagem, esconde o destino da família e, ao chegar na Ucrânia, recebe armas e ordens. O apoio prometido raramente é cumprido. O treinamento é substituído por batalhas em regiões críticas de conflito.

Sem corpo, sem luto

Enquanto isso, a família de Gabriel segue sem informações concretas. O nome dele foi incluído em listas de mortos divulgadas por perfis ligados à Rússia. Nenhuma confirmação oficial foi dada pelo exército ucraniano. O governo brasileiro, por sua vez, informa apenas que acompanha o caso.

O silêncio agrava a dor. Gabriel partiu em busca de algo que não contou. Morreu longe, em uma guerra estrangeira, sem medalhas, sem adeus. E, até agora, segue distante até no luto.

A Ucrânia está recrutando brasileiros para suas tropas, oferecendo salários que podem chegar a R$ 25 mil por mês, além de benefícios como seguro de vida para famílias em caso de morte. A campanha de recrutamento utiliza redes sociais e aplicativos de mensagens como WhatsApp, Telegram e Signal para alcançar potenciais candidatos.

Os anúncios circulam em grupos fechados, com apelos diretos a jovens em busca de aventura, dinheiro rápido ou um recomeço fora do país. As mensagens destacam o caráter voluntário das missões e prometem apoio logístico, facilitação de documentos e uma estrutura mínima de acolhimento.

Na prática, os relatos indicam o contrário. Os voluntários são orientados a manter segredo da missão, omitir o destino da viagem e custear os próprios deslocamentos. Ao chegar na Ucrânia, os brasileiros têm seus passaportes retidos, recebem uniformes e são rapidamente enviados a zonas de combate, muitas vezes sem qualquer tipo de treinamento militar.

Além da promessa de salário, as publicações enfatizam um suposto prestígio de servir em brigadas internacionais, mencionando recompensas simbólicas, como insígnias e certificados. No entanto, combatentes que retornaram denunciam abandono, atrasos no pagamento, precariedade nas frentes de batalha e ausência de assistência após ferimentos ou morte.

As autoridades brasileiras alertam para os riscos legais e diplomáticos da adesão a esse tipo de recrutamento, mas ainda não há controle efetivo sobre o fluxo de brasileiros rumo à guerra. Enquanto isso, famílias como a de Gabriel seguem esperando por respostas e por um mínimo de justiça.


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